top of page

Sorvete na UTI

  • Foto do escritor: Fernanda Rosa
    Fernanda Rosa
  • 7 de ago.
  • 2 min de leitura

Atualizado: 12 de ago.

Atendimento de adolescente, 12 anos, após cirurgia grave, isolado na companhia da sua mãe, com quem tem pouco vínculo. Eu, psicóloga, fiquei muito feliz por tê-lo feito feliz ao levar um sorvete. Mas quero tirar a simplicidade do ato.

Para compreender que, naquele momento, era o sorvete que faria ele feliz — e não qualquer outra coisa — foi preciso a construção do vínculo. Esse vínculo aconteceu já nos dias anteriores, quando ele acordou confuso, sem conseguir falar, e, por meio de placas de comunicação alternativa, entendi que ele não sabia onde estava, nem quem estava com ele. Dei essas explicações iniciais que, ainda que digam que ele não se recorda (pois estava parcialmente sedado), geraram redução da angústia, um conforto emocional.

A equipe havia percebido que ele queria lavar as mãos. Compreendi que, na verdade, ele queria ficar de mãos dadas para se sentir seguro e adormecer. Parece quase um homem, pelo tamanho, mas ainda é uma criança.

Outro dia percebi esse paciente entristecido — talvez tenha se sentido vulnerável e exposto ao ouvir seu nome associado à suspeita de uma doença transmissível e à necessidade de isolamento na UTI. Acolhi e validei suas emoções. Percebo que ele fecha os olhos para chorar; percebo pela respiração ofegante. Digo que está tudo bem chorar.

Dias depois ele já estava num box isolado com a mãe. Na primeira tentativa de atendimento, simulou estar dormindo para não interagir. Avisei que retornaria. Retornei. Validei o quanto devia estar sendo difícil para ele estar ali, longe de casa, num hospital. Perguntei se havia algo que o fizesse bem. Dei sugestões: um jogo, fazer uma ligação de vídeo, ver um filme, desenhar, escrever alguma coisa. Ele mostrou o videogame de mão que possuía e começou a jogar; acompanhei. Vi ele ficar nervoso ao perder. Falei que estar no hospital era como aquelas fases difíceis do videogame: a fase mais difícil já tinha passado, ele tinha sido muito corajoso. Agora viria a fase mais chata, de ter paciência. Ele mostrou-se emocionalmente mobilizado, com olhos fechados, respirando fundo. Perguntei se era sono; ele balançou a cabeça, negando. Perguntei se podia dar a mão para ele; ele assentiu. Fiquei de mãos dadas com ele. Ele abriu os olhos e fez contato com o olhar — um olhar que disse muito.

Na insistência, ainda pergunto:

“Se você pensar em algo que queira, me avisa, que eu vou tentar providenciar pra você. Por exemplo, um sorvete.”

“Quero”, disse ele. A primeira palavra bem dita desde o início do atendimento.

“Sorvete você quer? Ok. Qual sabor?”

“Morango. (após uma pausa de reflexão) E chocolate.”

“Ok. Eu vou providenciar pra você.”

Com autorização da médica responsável e da enfermeira, corro (literalmente) em busca do sorvete, retorno e entrego. O sorriso de satisfação de quando ele comeu foi impagável.

Parece uma atividade muito simples: entrega o sorvete e pronto. Qualquer um poderia ter feito isso — os médicos, os enfermeiros, fonoaudiólogos, fisioterapeutas. Porém, cada profissional tem uma demanda importante a cumprir. E a demanda do psicólogo é justamente essa: escutar o paciente, compreender o que, para ele, vai ser bom naquele momento.

Essa escuta exige intenção em compreender o outro, em identificar que cada um é único. A humanização é justamente isso: tornar o paciente visto.

 
 
 

Posts recentes

Ver tudo
Psicologia Hospitalar

O que faz o Psicólogo no hospital? A atuação do psicólogo no ambiente hospitalar é fundamental para a humanização do atendimento e o...

 
 

Comentários


bottom of page